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Sustentabilidade e o (des)equilíbrio entre cidades, pessoas e natureza

Para entender as cidades hoje em dia, é preciso fazer uma análise sistêmica do ecossistema urbano, destacando as interdependências entre todos os agentes que atuam em um determinado sítio, sejam eles de natureza biótica e abiótica.

O crescimento das cidades a partir da Revolução Industrial induziu uma série de transformações na paisagem e nas relações que a sociedade mantinha e mantém com o meio natural onde está inserida. Por meio de uma visão racionalista de compreender o mundo e suas relações com o meio, a sociedade moderna rompeu com o equilíbrio do ecossistema a que pertence, procurando controlar os processos naturais por meio dessa desconexão com os fenômenos naturais.

O ecossistema urbano, ou qualquer outro, procura sempre seu equilíbrio, sua homeostase. Entender esses fenômenos exige ler o mundo em uma visão organicista, ou seja, entender que o planeta é um ser vivo, nossa Terra Mater!

Esse modelo racionalista, ou mecanicista como diria Capra, impede a compreensão destes fluxos energéticos que nos rodeiam de forma holística ou sistêmica. Isso gera uma visão fragmentada do mundo e cria essa cultura pasteurizada que nos desconecta de nossas raízes.

Desequilíbrio nas cidades

A maioria das grandes e mais importantes cidades do mundo resistem em enxergar sua dependência de recursos externos. Alimentos, energia, água – nada disso é produzido pelas cidades. Elas são ecossistemas em desequilíbrio, onde são investidos grandes níveis de energia para sua manutenção. Este desequilíbrio não é restrito em sua relação com a natureza, mas também nas inter-relações entre seus habitantes e entre estes com o próprio território.

Essa desconexão pode ser observada de forma mais clara nos médios e grandes aglomerados urbanos. No Brasil, essa percepção é ainda mais notável em função dos critérios de planejamento adotados por boa parte dos gestores públicos. As cidades se tornaram áreas com vastos conflitos de interesse, que extrapolariam os preceitos democráticos de debates entre os segmentos que compõe a sociedade em um nível de paridade política. A natureza, obviamente, está excluída desse modelo de planejamento tecnicista.

A prioridade é, apenas, garantir a mobilidade e os processos de logística dentro do tecido urbano, esquecendo os elementos que sustentam a vida nessas cidades. A urbanização seletiva nas nossas cidades demonstra a necessidade do homem em tentar dominar a natureza e seus processos naturais. Rios são enclausurados, bosques desmatados e morros cortados. E a justificativa é sempre a necessidade de atender a esse racionalismo econômico que ignora as culturalidades endógenas e os ecossistemas naturais, para impor um modelo onde a sustentabilidade urbana não passa de uma utopia, se não uma farsa.

Brasil e América Latina

O modelo econômico que o Brasil e grande parte dos países da América Latina adotou reflete, há décadas, uma estrutura de segregação socioambiental, onde parte da população não tem os princípios de cidadania garantidos.

A especialista Ermínia Maricato destaca que é evidente uma relação desigual entre uma cidade entendida como legal, sob tutela do Estado, e outra ilegal, suscetível a uma gestão paralela sem anuência do próprio Estado. A expansão territorial assumiu sua independência do ecossistema e não hesitou em modificar as paisagens naturais para atender as demandas de infraestrutura urbana em cidades que cresciam de forma acentuada.

Esta situação se agrava com os meios exploratórios e de degradação do meio ambiente, permitindo um aumento intensificado da poluição de recursos hídricos, do solo e da atmosfera, e se apresenta como um grande fator de risco às sociedades como um todo, pois impactam diretamente a qualidade de vida de uma população e de outros seres vivos que compõem este ecossistema urbano.

O tecnicismo moderno transformou a natureza e procurou recriar sua própria dinâmica numa relação de subserviência em nome do crescimento econômico. Essa visão antropocêntrica de apropriação de uma paisagem, sem compreender suas implicações em um espaço de tempo, determina os níveis de vulnerabilidade socioambientais aos quais uma população está sujeita.

Cidades onde a desigualdade social é uma realidade, onde populações se encontram em situações de risco socioambiental, estão longe de receber qualquer título de cidade sustentável ou cidade ecológica. O ser humano, como um ser social, carece de espaços de interação e convívio. Relacionar-se com a natureza é conectar-se sua ancestralidade.

Assim, o cenário atual e o futuro exigem da humanidade uma resposta urgente que permita ao ser humano se reintegrar, em toda sua humildade, a um ecossistema maior que ele. Reconexão que pode ser uma estratégia para resgatar valores e prazeres que o mundo coisificado desconstruiu.

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